
Entre os ritmos hipnotizantes e os movimentos carregados de emoção que ecoam pelo Oriente Médio, uma dança se destaca por sua intensidade visceral e beleza crua: a dança do povo Kawliya. Também conhecida como dança cigana iraquiana, a Kawliya é mais do que performance — é uma expressão profunda de identidade, dor, resistência e liberdade.
Historiadores tem evidenciado duas possíveis origens do grupo étnico Kawliya: uma vertente diz que são descendentes dos povos nômades que migraram da Índia para o Oriente Médio há séculos, levando consigo uma rica tradição musical e dançante. A outra vertente diz que são povos nativos do Iraque (antiga Mesopotâmia) e que muitos dos seus movimentos são associados ao culto da deusa Inanna.
Independente da origem, a dança Kawliya se fundiu com as influências árabes locais, criando um estilo único e marcante. Embora muitas vezes seja estigmatizada e margilizada, a Kawliya é uma arte de resistência. As mulheres que a dançam usam o corpo como um instrumento de expressão emocional e espiritual. A música costuma ser composta por ritmos fortes de percussão, vocalizações lamentosas e melodias que mesclam influências árabes e ciganas. É comum que a dança comece de forma contida e vá crescendo em intensidade até atingir um clímax emocional. A dança é visceral, catártica e livre. Não dá pra fingir Kawliya. É uma dança que exige entrega. Você precisa sentir no peito antes de sentir no corpo.
A dança Kawliya não obedece às linhas delicadas de outros estilos clássicos árabes. Ao contrário, é marcada por movimentos de cabelo intensos, com chicotadas e giros de cabeça que simbolizam libertação e emoção crua, por expressões dramáticas do rosto e do corpo, muitas vezes improvisadas, que narram sentimentos como dor e paixão, por pés batendo no chão, em conexão com a terra, como se estivessem chamando suas raízes ou soltando sua raiva.
Apesar de frequentemente associada ao entretenimento, a Kawliya tem um forte componente ritualístico e espiritual. Em muitos contextos, é uma dança de cura e catarse — especialmente entre as mulheres. Ela permite que dores antigas, alegrias sufocadas e histórias esquecidas venham à tona em forma de arte. Nos últimos anos, a Kawliya tem conquistado espaço fora do Iraque, sendo estudada e admirada por dançarinas orientais e pesquisadoras da cultura árabe ao redor do mundo. No entanto, ela ainda é pouco compreendida fora de seu contexto original, muitas vezes sendo confundida ou reduzida a estereótipos.
Felizmente, há artistas e estudiosas — tanto dentro quanto fora do Oriente Médio — trabalhando para preservar essa tradição e apresentá-la com o respeito, a profundidade, a escuta e sensibilidade cultural que ela merece. Para quem é apaixonada por danças árabes, a Kawliya pode ser uma experiência transformadora. Ela nos convida a sair do controle, a mergulhar no sentir, a dançar com o coração — mesmo que ele esteja em pedaços. É uma dança que não pede permissão: ela acontece, irrompe, e deixa rastros de verdade por onde passa.
Desde a primeira vez que vi Kawliya, entendi: dança-lá é libertador. É como rasgar véus internos, soltar aquilo que a gente guarda para não incomodar, mexer onde dói, transformando isso em beleza. É uma dança pra quem quer se reconectar consigo mesma, com sua força, sua dor, sua paixão. A dança Kawliya é mais do que uma forma de arte — é uma história viva de um povo, uma ponte entre culturas e uma poderosa ferramenta de expressão feminina. Conhecer Kawliya vem me ensinando que dançar pode ser um ato de coragem. Que nossos corpos guardam memórias, e que a dança pode ser o caminho para libertá-las. Para dançar Kawliya, eu deixo um convite: ouça a música, feche os olhos, sinta o chão sob seus pés e deixe o coração dançar. Às vezes, é somente isso que precisamos.
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